Uma longa trajetória, de 1987 até hoje
por André Motta Lima
Tudo começou com “A origem do Universo”, pequeno livro em espanhol, que trazia visão científica para contrapor às versões religiosas num assunto que ainda gera muitos debates e poucas conclusões, o que pode ser verificado nos programas “Pesquisadores do Universo” e “De onde viemos, para onde vamos”.
Mas para o curioso adolescente que eu era na ocasião, apesar da enorme dificuldade de leitura em outro idioma, ficou a impressão de que a ciência poderia vir a ter explicação para os fenômenos desconhecidos pelo homem.
Curiosidade sempre uniu jornalismo e ciência. E foi a ciência que acabou dando origem a uma solução para combater questões místicas com realidade. Foi no início da década de 70, no programa Fantástico, sob a direção jornalística de José-Itamar de Freitas, que a busca de assuntos científicos se transformou em saída contra as reportagens místicas que ameaçavam vigorar no programa quando o governo militar proibiu as que retratavam a verdadeira realidade brasileira, pouco conhecida e divulgada. Como repórter, e depois editor e diretor adjunto, passei a ter a responsabilidade de reportagens como as que pela primeira vez na televisão brasileira mostraram imagens de um parto, de uma operação cardíaca ou mesmo os nascimentos de uma borboleta ou das tartaruguinhas no rio Tapajós.
Saído da TV Globo após liderar reivindicações sindicais em plena perseguição a jornalistas – que acabaram por redundar na morte de Vladmir Herzog, responsável pela minha passagem do jornalismo impresso para o de televisão (foi ele quem me contratou como correspondente no Rio da TV Cultura de São Paulo) -, fui obrigado a enfrentar o estigma político – e a consequente falta de emprego fixo nas grandes empresas.
De comunista perigoso virei empresário, embora patrão de mim mesmo, a partir da fundação de uma empresa capaz de fornecer notas fiscais para o trabalho individual, sem precisar ser contratado. A Motta Lima Produções e Comunicação Ltda. acabou sendo solução para a criação, quando da abertura política da Nova República, do primeiro programa de televisão comandando e dedicado ao movimento popular e social: o Espaço Comunitário, uma ideia original do deputado cassado Ciro Kurtz, então nomeado diretor na Rede Brasil, liderada pela TV Educativa do Rio de Janeiro.
Após o fim do programa, no início de 1987, fui convidado por Helena Severo – que havia representado a TV E no conselho de instituições comunitárias – a viabilizar a cobertura de um congresso acadêmico sobre a história da inquisição. Nasceu o documentário “As Marcas da Inquisição” exibido na rede da TV Educativa sob o patrocínio da Sasse – a seguradora da Caixa Econômica Federal, que era presidida pelo cientista político Luis Henrique Bahia.
Foi numa conversa com Bahia que surgiu a possibilidade da Sasse patrocinar a feitura de um programa de ciência na rede da TV Educativa. As dificuldades de se conseguir a exibição pela TV, sem nenhum pagamento por isso, foram dissipadas com a ajuda direta de Renato Archer, primeiro ministro do nascente Ministério da Ciência e Tecnologia, uma escolha direta do falecido Tancredo Neves. Em 3 de outubro de 1987 foi ao ar o primeiro programa “Tome Ciência”, trazendo novidades como a primeira vinheta feita por computador na televisão brasileira. Na verdade várias vinhetas introdutórias dos temas das reportagens e entrevistas, produzidas pelos técnicos da Cobra Computadores.
O conceito de um Conselho Editorial de cientistas, tal como aconteceu no “Espaço Comunitário”, levou a uma parceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, então presidida por Ennio Candotti, um apaixonado pela necessidade da divulgação e popularização da ciência. A SBPC indicou os nomes que passaram a se reunir quinzenalmente na sede da entidade no Rio de Janeiro para avaliar cada programa e sugerir assuntos.
Para estimular os jovens e despertar vocações para a pesquisa, a Seguradora da Caixa e o programa criaram um prêmio para estudantes de 2º grau – divulgado na televisão, em algumas secretarias de educação e em prospectos colocados em todas as agências da Caixa Econômica Federal –, que consistia em monografias para cada uma das 3 séries, sob o tema “Avanços científicos e bem estar social” . O vencedor de cada série, além do Troféu especialmente criado, pode visitar, com acompanhante, a instituição de pesquisa ou de inovação de qualquer parte do país que escolheu no formulário de inscrição. Centros de pesquisa como o Museu Emilio Goeldi, no Pará, e o Laboratório Nacional de Astrofísica, em Minas Gerais, ou de desenvolvimento de aplicações, como a Embraer, em São Paulo, e o setor de Computação Gráfica da TV Globo, no Rio de Janeiro, fizeram parte das opções.
Quando a Sasse deixou de patrocinar o programa, Ennio foi pessoalmente ao presidente da TV Educativa solicitar que o programa continuasse na forma de debates, a serem gravados, sem os custos de edição, para posterior exibição. Bem sucedido, me comunicou que, a partir de então, eu passaria a trabalhar sem remuneração, com a ajuda do produtor Roberto Almeida, cedido pela TVE. E disse, brincando, com sua tradicional simpatia, que era como eu ia “pagar” pela participação gratuita da SBPC prestigiando o programa. Assim, uma semana após o fim do formato de reportagens (01/04/89), ia ao ar, no mesmo horário das 14,30 horas dos sábados, um debate de meia hora, sob temas da atualidade. O primeiro foi “Praias por água abaixo” (a poluição nas águas e areias das praias brasileiras e a comparação com o exterior) com Leda Cristina Mendonça, do Instituto de Microbiologia da UFRJ, e Paulo Rosman, do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ.
Na presidência de Fernando Collor a TV Educativa passou a ser dirigida por Leleco Barbosa, que resolveu terminar com a parceria gratuita de todas as partes, adotando o princípio que todos os programas que não fossem produzidos pela emissora só poderiam ser veiculados com pagamento a emissora. Era a TVE quem fazia, mas ele não acreditou de jeito nenhum que eu estivesse trabalhando de graça. Sem patrocínio para produzir por conta própria e sem possibilidade de remunerar a emissora, em 8/12/1990 o ultimo episódio, “Questão de Memória…lembra?”, foi ao ar explicando como funciona a memória no cérebro e os mecanismos de ativação e estímulo. E nem me deu a chance de gravar um último programa de despedida. Saímos do ar com a minha promessa de voltar na semana que vem. Nunca existiu uma semana tão longa…
Com o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o MC&T o jornalista Roberto Átila Amaral Vieira, defensor da divulgação científica, secundado na secretaria executiva por Wanderley de Souza, já então integrante do Conselho Científico. Com apoio da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), dirigida por Sérgio Rezende, que depois virou ministro, “Tome Ciência” renasceu, exatos 14 anos depois, em 6 de dezembro de 2004, com o debate de extrema atualidade para a época, mais uma vez contrapondo a visão de cientistas com a de um padre, professor de medicina. “Células tronco e embriões humanos: a cura proibida?” foi exibido pela TV Senac, transmitida em várias partes do país. Toda a produção e gravação passou a ser realizada pela Motta Lima Produções e Comunicação Ltda., sob o nome fantasia da produtora Casa do Vídeo, instalada com estúdio e equipamentos próprios no Rio de Janeiro, dentro do Polo de Cinema e Vídeo, na Barra da Tijuca
A parceria com a SBPC foi mantida no Conselho Editorial e também através do Instituto Ciência Hoje, organização sem fins lucrativos, que então era responsável pela publicação da revista de divulgação científica da SBPC, a Ciência Hoje. Ao fim da série de 26 programas patrocinados pela Finep, a TV Senac, satisfeita com a repercussão da série, passou a assumir os custos de produção de mais 22 programas. Além de exibidos pela TV Senac, o programa começou a integrar a grade da Rio TV, emissora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e começou a ser oferecido gratuitamente a emissoras interessadas na divulgação científica.
Com o fim da TV Senac, transformada em SescTV, o programa foi mantido através do apoio obtido, mais uma vez com a ajuda do conselheiro Wanderley de Souza, já então fora do ministério mas titular da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, através da Faperj (Fundação Carlos Chagas de Apoio à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro). O Ministério da Ciência e Tecnologia também garantiu recursos para novas gravações em 2009 e 2010.
Depois, de 2011 até agora, o programa segue tendo apoio financeiro da Faperj, que garante os recursos para a produção dos programas, veiculados de forma gratuita por uma rede exibidora de 25 emissoras, entre educativas, universitárias e legislativas, por canal aberto, satélites e sistemas por cabo. Ao longo do tempo, mais de 30 emissoras já fizeram parte da rede exibidora, alcançando 21 estados e 20 capitais, além de Brasília.
Ao assumir a presidência da SBPC, em 2007, Marco Antonio Raupp solicitou uma mudança, transformando o Conselho Consultivo para a representação de todas as associações vinculadas à entidade, com ampla liberdade de sugerir e propor temas para cada série de debates, cabendo a um Conselho Editorial de Cientistas, integrado por remanescentes do primeiro conselho, pelos presidentes da SBPC e também por representantes da Faperj, selecionar os temas prioritários e indicar nomes de convidados. E mesmo quando no comando do MCT, Raupp jamais deixou de dar suas indicações para os programas que julgava mais importantes de serem gravados.
Recentemente surgiu uma nova forma de aumentar a produção de programas com a adoção de parcerias com estações exibidoras. Mais uma vez Ennio Candotti, atualmente dirigindo o Museu da Amazônia, intermediou a realização, pela TV Cultura do Estado do Amazonas, de uma série especial com a ciência que se produz na região. Novamente uma TV pública gravando direto, sem edições, com um apresentador sem receber qualquer tipo de remuneração.
Novas emissoras parceiras já manifestaram disposição em realizar parcerias semelhantes, além da possibilidade, ainda em negociações, do programa voltar ao formato original, com reportagens externas, passando a divulgar a ciência de várias partes do país, através da utilização de programas das redes de distribuição de conteúdo por internet montadas pela Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior e pela Associação Brasileira da Televisão Universitária. Atualmente o Tome Ciência é o único programa de produção independente a ser distribuídos por essas redes em FTP.